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08 julho 2014

Futebol de Rua, por Luiz Fernando Veríssimo

Salve, gente amiga!

Hoje, 08 de julho de 2014 é seguramente um dia histórico. Histórico em muitos sentidos. Não apenas para pensar numa derrota com placar enorme, ou do fim da "copa em casa".
Não foi a Copa que desejamos. A Copa não nos trouxe o legado de melhoramentos em infraestrutura que nosso país tanto precisa. Não pude ver aquele Futebol de Menino, o Futebol que invade todos os espaços e assim como o vento, toma conta de tudo.

 
Não entendo de futebol. Não sei para onde vai a bola, nem porque tem tanta gente num gramado tão grande. Mas tenho memórias efetivas de Copas do Mundo.  Lembro-me da dor de 1982, o silêncio que ecoou pelo Recife e dos olhos de meu pai. Mesmo sem entender de futebol,  o que é um "tiro de meta" ou impedimento, sofri! Sofri a cada vez que a Seleção Brasileira foi eliminada em campeonatos mundiais. Lembro-me ainda com mais angústia do que foi 1986.

Cresci num país com o sentimento que de jamais conseguiríamos mais um campeonato. Minha geração via 3 estrelas na Camisa Amarela e sonhava em ver com os próprios olhos a 4ª estrelhinha.



Depois da anestesia de 1994, ainda carrego comigo aquele momento. Tenho certeza de que todos sabemos onde estávamos e como comemoramos... sem mal acreditar no que víamos pela televisão.  Conseguimos ver o Brasil ganhar uma Copa! 
Do pentacampeonato em 2002 não tenho recordação alguma. E acho que não é porque tenho total falta de cultura fubebolística, mas foi porque não me marcou mesmo.
As seleções da década de 1980 é, para a minha geração, a dos jogadores inesquecíveis e imortais. Como esquecer de Zico ou Sócrates?! Era de uma beleza na qual o chamado Futebol Arte (em maiúsculo mesmo)  fazia todo e completo sentido. A geração de 1990, com Romário e Bebeto, tinha muito disso. Dessa magia do chamado Futebol Brasileiro, aquele em que a camisa pesa!



Vivemos uma época de Astros no esporte (de altíssimos contratos), de estrelas individuais que quando unidas não formam uma constelação que seja tão firme e incontestável para ser referência no céu.

Mas hoje também vi, mesmo sem entender de futebol, uma beleza do meu tempo de infância. Vi o "Mengão" (Seleção da Alemanha) mais do que fazer gols, a habilidade na ponta da chuteira, como eu me lembrava lá dos idos de 82. Mesmo sem acompanhar ou entender porque um jogo tem 90 minutos, de fato, a bola quando bem jogada, é realmente muito bonita.

E toda vez que penso em Futebol, não consigo deixar de pensar na antológica crônica de Luiz Fernando Veríssimo, intitulada Futebol de Rua. O esporte de milhões de apaixonados e um mercado mundial bilionário se rende ao "futebol". Qualquer lugar em que se encontre um objeto "meramente esférico" sempre será de alegria e, sem dúvida alguma, de paixão incondicional.

* * *

FUTEBOL DE RUA
Luís Fernando Veríssimo



Pelada é o futebol de campinho, de terreno baldio. Mas existe um tipo de futebol ainda mais rudimentar do que a pelada. É o futebol de rua. Perto do futebol de rua qualquer pelada é luxo e qualquer terreno baldio é o Maracanã em jogo noturno. Se você é homem, brasileiro e criado em cidade, sabe do que eu estou falando. Futebol de rua é tão humilde que
chama pelada de senhora.

Não sei se alguém, algum dia, por farra ou nostalgia, botou num papel as regras do futebol de rua. Elas seriam mais ou menos assim:

DA BOLA - A bola pode ser qualquer coisa remotamente esférica. Até uma bola de futebol serve. No desespero, usa-se qualquer coisa que role, como uma pedra, uma lata vazia ou a merendeira do seu irmão menor, que sairá correndo para se queixar em casa. No caso de se usar uma pedra, lata ou outro objeto contundente, recomenda-se jogar de sapatos. De preferência os novos, do colégio. Quem jogar descalço deve cuidar para chutar sempre com aquela unha do dedão que estava precisando ser aparada mesmo. Também é permitido o uso de frutas ou legumes em vez da bola, recomendando-se nestes casos a laranja, a maçã, o chuchu e a pera. Desaconselha-se o uso de tomates, melancias e, claro, ovos. O abacaxi pode ser utilizado, mas aí ninguém quer ficar no golo.

DAS GOLEIRAS
- As goleiras podem ser feitas com, literalmente, o que estiver à mão. Tijolos, paralelepípedos, camisas emboladas, os livros da escola, a merendeira do seu irmão menor, e até o seu irmão menor, apesar dos seus protestos. Quando o jogo é importante, recomenda-se o uso de latas de lixo. Cheias, para aguentarem o impacto. A distância regulamentar entre uma goleira e outra dependerá de discussão prévia entre os jogadores. Às vezes esta discussão demora tanto que quando a distância fica acertada está na hora de ir jantar. Lata de lixo virada é meio golo.

DO CAMPO - O campo pode ser só até o fio da calçada, calçada e rua,
calçada, rua e a calçada do outro lado e - nos clássicos - o quarteirão inteiro. O mais comum é jogar-se só no meio da rua.

DA DURAÇÃO DO JOGO
- Até a mãe chamar ou escurecer, o que vier
primeiro. Nos jogos noturnos, até alguém da vizinhança ameaçar chamar a polícia.

DA FORMAÇÃO DOS TIMES
- O número de jogadores em cada equipe varia, de um a 70 para cada lado. Algumas convenções devem ser respeitadas. Ruim vai para o golo. Perneta joga na ponta, a esquerda ou a direita dependendo da perna que faltar. De óculos é meia-armador, para evitar os choques. Gordo é beque.

DO JUIZ
- Não tem juiz.

DAS INTERRUPÇÕES
- No futebol de rua, a partida só pode ser paralisada numa destas eventualidades:

a) Se a bola for para baixo de um carro estacionado e ninguém conseguir tirá-la. Mande o seu irmão menor.

b) Se a bola entrar por uma janela. Neste caso os jogadores devem esperar não mais de 10 minutos pela devolução voluntária da bola. Se isto não ocorrer, os jogadores devem designar voluntários para bater na porta da casa ou apartamento e solicitar a devolução, primeiro com bons modos e depois com ameaças de depredação. Se o apartamento ou casa for de militar reformado com cachorro, deve-se providenciar outra bola. Se a janela atravessada pela bola estiver com o vidro fechado na ocasião, os dois times devem reunir-se rapidamente para deliberar o que fazer. A alguns quarteirões de distância.

c) Quando passarem pela calçada:
1) Pessoas idosas ou com defeitos físicos.
2) Senhoras grávidas ou com crianças de colo.
3) Aquele mulherão do 701 que nunca usa sutiã.
Se o jogo estiver empate em 20 a 20 e quase no fim, esta regra pode ser ignorada e se alguém estiver no caminho do time atacante, azar. Ninguém mandou invadir o campo.

d) Quando passarem veículos pesados pela rua. De ônibus para cima. Bicicletas e Volkswagen, por exemplo, podem ser chutados junto com a bola e se entrar é golo.

DAS SUBSTITUIÇÕES - Só são permitidas substituições:

a) No caso de um jogador ser carregado para casa pela orelha para fazer a
lição.

b) Em caso de atropelamento.

DO INTERVALO PARA DESCANSO - Você deve estar brincando.

DA TÁTICA
- Joga-se o futebol de rua mais ou menos como o Futebol de Verdade (que é como, na rua, com reverência, chamam a pelada), mas com algumas importantes variações. O goleiro só é intocável dentro da sua casa, para onde fugiu gritando por socorro. É permitido entrar na área adversária tabelando com uma Kombi. Se a bola dobrar a esquina é corner.

DAS PENALIDADES - A única falta prevista nas regras do futebol de rua é atirar um adversário dentro do bueiro. É considerada atitude antiesportiva e punida com tiro indireto.

DA JUSTIÇA ESPORTIVA
- Os casos de litígio serão resolvidos no tapa.